Síndrome do desfiladeiro torácico: oclusão arterial por embolização distal de aneurisma da artéria subclávia / Thoracic outlet syndrome: arterial occlusion by distal embolization from a subclavian artery aneurysm
Carolina Kayser Guelfi1, Daniel Leal2, Alberto Vescovi3, Bernardo Massière4,
Bernardo Dalago Ristow1, Nathan Aquino de Liz1, Paula Marques Vivas1 e Arno von Ristow5
RESUMO
A Síndrome do Desfiladeiro Torácico engloba uma constelação de sinais e sintomas nas extremidades superiores, resultantes da compressão do feixe neurovascular nesse território. As manifestações arteriais são raras e graves, seguem um curso caracterizado por compressão extríseca, dilatação pós-estenótica, degeneração aneurismática e embolização secundária. Os autores relatam o caso de um homem de 45 anos com quadro de oclusão arterial por embolização distal de aneurisma da artéria subclávia direita na presença de costela cervical unilateral.
Palavras-chave: Síndrome do Desfiladeiro Torácico; complicações arteriais; costela cervical; aneurisma da artéria subclávia.
1. Médicos pós-graduandos do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular e Endovascular, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio).
2. Cirurgião vascular do Centervasc-Rio. Professor Instrutor do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ.
3. Cirurgião vascular do Centervasc-Rio. Professor Assistente do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ.
4. Cirurgião vascular e diretor, Centervasc-Rio. Professor Associado do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ.
5. Cirurgião vascular. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Professor Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Cirurgia
Vascular, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ.
ABSTRACT
Thoracic outlet syndrome is a constellation of upper extremity symptoms and signs resulting from compression of the neurovascular bundle in thoracic outlet area. Arterial manifestations usually follow a progressive course characterized by extrinsic compression, post-stenotic dilatation, aneurismal degeneration, and secondary embolization. The authors report a case of a 45 year-old man with arterial occlusion caused by distal embolization from a right subclavian artery aneurysm in the presence of unilateral cervical rib.
Keywords: Thoracic outlet syndrome; arterial complications; cervical rib; subclavian artery aneurysm.
Introdução
O termo Síndrome do desfiladeiro torácico (SDT) foi utilizado pela primeira vez por Peet et al1 em 1956 e descreve um quadro clínico atribuído à compressão isolada ou múltipla do plexo braquial, artéria e veia subclávias, na região designada desfiladeiro torácico. Existem três tipos de SDT: o neurológico, mais comum, ocorrendo em mais de 95% dos casos, o venoso, em 2-3% e o arterial, o mais raro, que corresponde a menos de 1% das situações.2
As lesões arteriais na SDT são geralmente associadas a anormalidades ósseas, costela cervical e primeira costela anômala.3 A síndrome de costela cervical, termo sugerido por J. B. Murphy em 19164, ocorre quando o triângulo intrecostoescalênico é invado por uma costela cervical, que empurra a artéria subclávia e o plexo braquial anteriormente de encontro ao escaleno anterior. Esta compressão causa comprometimento do terceiro segmento da artéria subclávia e produz uma lesão intimal com ou sem dilatação pós-estenótica.3,5,6
O diagnóstico na SDT arterial é clínico, feito pela combinação de elementos da anamnese e do exame físico. Manobras de compressão têm sido historicamente utilizadas para auxiliar no diagnóstico da SDT, mas nenhum é preciso e patognomônico de lesão arterial.7,8,9,10
O presente artigo relata o caso de um paciente com oclusão arterial aguda do membro superior direito por embolização distal, devido a aneurisma pós-estenótico como complicação da SDT.
Relato de caso
Paciente homem, 45 anos, empresário, previamente hígido, admitido na emergência com quadro de dor, hipoestesia e frialdade da mão direita há 30 dias e piora dos sintomas há cinco dias. Ao exame físico apresentava palidez e hipotermia da mão direita, ausência de pulsos braquial, radial e ulnar, motricidade preservada. Realizado Eco-Doppler que evidenciou trombose não recente da artéria braquial direita com reabitação do fluxo a nível do antebraço (fluxo monofásico nas artérias radial e ulnar). Diagnosticada isquemia crítica do membro e iniciada heparinização sistêmica (heparina não fracionada), com compensação da isquemia. Submetido à angiotomografia computadorizada (ATC), que evidenciou aneurisma sacular de 19 mm de diâmetro da artéria subclávia, trombose extensa da artéria braquial e costela cervical (tipo III), configurando SDT (Estádio III da Classificação Scher). (Figura 1)
Figura 1 – Reconstrução angiotomográfica evidenciando aneurisma sacular de 19 mm de artéria subclávia, trombose extensa de artéria braquial e costela cervical direita.
Planejadas descompressão neurovascular cervicobraquial, aneurismectomia e revascularização do membro. A arteriografia intraoperatória confirmou oclusão e reabitação na bifurcação braquial direita. (Figura 2)
Figura 2 – Arteriografia intraoperatória apresentando oclusão braquial direita com reabitação do fluxo ao nível da bifurcação.
Realizados quatro acessos cirúrgicos, supraclavicular, infraclavicular, axilar e braquial, além da incisão inguinal para colheita da veia safena esquerda. Realizadas a ressecção via supraclavicular da costela supranumerária e da primeira costela; aneurismectomia, seguida de interposição subclavioaxilar e ponte axilobraquial ambas com veia safena magna devalvulada, não invertida e ex vivo (Figura 3 e Figura 4). Imediatamente após liberação do fluxo foram identificados pulsos distais, com melhora da perfusão do membro. Paciente apresentou boa evolução e nenhuma complicação. Recebeu alta hospitalar no sexto dia pós-operatório. Assintomático após seis meses, em plena atividade laborativa. Exame físico revela boa perfusão periférica, com pulsos axilar, braquial, radial e ulnar amplos. ATC de controle evidenciou perviedade das reconstruções e calibres preservados do segmentos interposto com veia safena ao nível subclavioaxilar e da ponte axilobraquial. (Figura 5)
Figura 3 – Imagem intraoperatória da aneurismectomia da artéria subclávia direita. / Figura 4 – Imagem intraoperatória evidenciando aspecto final da interposição subclavioaxilar utilizando veia safena magna (vide texto para detalhes).
Figura 5 – Reconstrução AngioTC de controle após seis meses. Observar a ausência de compressões, mesmo em hiperabdução e perviedade das reconstruções arteriais.
Discussão
As complicações arteriais por compressão da artéria subclávia representam o tipo menos comum na SDT, contudo, apresentam importantes indicações de intervenção cirúrgica. A maioria dos pacientes com sintomas arteriais na SDT é de adulto jovem. A idade média publicada em séries é de 37 anos de idade. 11
As costelas cervicais são condições raras, presentes em aproximadamente 1% da população, mas somente 10% são sintomáticos. Representam apenas 4,5% dos pacientes com SDT. Acomete mais mulheres na proporção 7:3.12
O tipo de costela cervical é de grande importância nas complicações arteriais. As costelas curtas (tipo I) e as incompletas (tipo II) produzem preferencialmente complicações neurológicas, enquanto que as longas ou completas (tipo III) apresentam complicações arteriais. São incompletas em 70% dos casos e completas em 30%. Além disso, podem ser uni ou bilaterais, acometimento bilateral em 65% dos casos.13
Os sintomas na SDT arterial incluem isquemia digital, claudicação, frialdade, palidez, parestesia e dor na mão, e raramente sintomas álgicos no ombro ou no pescoço. Esses sintomas são o resultado de eventos embólicos originados de trombo de aneurisma da artéria subclávia ou a partir de trombo formado distalmente à eventual estenose da artéria subclávia. 14,15
Exames de imagem como as radiografias de tórax e coluna cervical são de extrema valia para revelar alterações ósseas. A Angiotomografia Computadorizada (ATC) é um exame útil para definir o diagnóstico e para auxiliar no planejamento cirúrgico. ATC pode identificar o ponto exato de compressão e a extensão da doença arterial que requer tratamento.16
A ressonância magnética tem se mostrado eficaz em demonstrar bandas fibróticas e desvio do plexo braquial em pacientes sem costela cervical. A avaliação eletrodiagnóstica é útil para diagnóstico na compressão do carpo e no canal de Guyon, mas no diagnóstico da SDT sofre alterações devido à posição em que é realizado o teste.17
A ultrassonografia é um importante método no estudo da compressão vascular na SDT, devendo ser realizada de forma dinâmica com manobras especificas. Consiste em um exame não invasivo e que não envolve o uso da radiação ionizante. Pode demonstrar alterações aneurismáticas ou aumento da velocidade de fluxo correlacionado à compressão estenótica. Associado a estas vantagens, o método permite diagnosticar trombose dos vasos subclávios e pode ser utilizado quando existirem contraindicações à angiografia.18,19
A maioria dos pacientes com SDT é assintomático e poucas vezes necessita tratamento.1 O tratamento pode ser conservador com fisioterapia, repouso da atividade que originou os sintomas e analgesia, quando a síndrome for principalmente de comprometimento neurológico. Em casos de falha no tratamento clínico (após 6 meses sem melhora ou reaparecimento dos sintomas), não controle da dor e da parestesia, além de acometimento vascular, deve ser indicado o tratamento cirúrgico.20, 21
Embora a SDT arterial tenha apresentação característica, outras causas de isquemia das extremidades superiores devem ser suspeitadas e investigadas durante a anamnese e exame físico.2 Entre os diagnósticos diferenciais relatados, encontramos cardioembolismo, embolização de arco aórtico, vasculites (Takayasu e Arterite de Células Gigantes), dissecção, lesão por radiação e desordens do tecido conjuntivo, entre outras menos comuns.12
O tratamento cirúrgico é guiado de acordo com o grau de lesão arterial. A Classificação de Scher para SDT arterial fornece uma orientação para tratamento apropriado. O Estágio Scher I descreve a compressão da artéria subclávia com menor dilatação pós-estenótica e sem ruptura da íntima. O tratamento adequado consiste em descompressão do desfiladeiro torácico, incluindo ressecção da costela cervical ou da primeira costela, secção do músculo escaleno anterior e ressecção de qualquer doença fibrosa anômala. O Estágio Scher II inclui artéria subclávia com lesão da íntima, degeneração aneurismática e trombo mural. O tratamento adequado inclui descompressão do desfiladeiro torácico e reconstrução da artéria subclávia. O estágio Scher III inclui os pacientes com embolização distal. O tratamento deve incluir uma combinação de trombólise ou tromboembolectomia, descompressão do desfiladeiro torácico e reconstrução vascular.22, 23
A morbidade está diretamente relacionada com as estruturas anatômicas do desfiladeiro torácico e inclui pneumotórax, hemotórax, linforreia, plexopatia braquial e lesão vascular.24 Lesão do nervos torácico longo e frênico também é relatada. Raramente, a lesão da cadeia simpática cervical pode resultar na Síndrome de Horner. A taxa de morbidade global publicada varia de 7% a 40%, sendo as mais frequentes as lesões pleurais e lesão transitória do plexo braquial.25
Ao contrário da SDT neurogênicas, a recorrência da SDT arterial é muito rara em pacientes que tenham sido submetidos à descompressão completa e reconstrução arterial adequada.8 A perviedade do enxerto é relatada em torno de 90% a 100%, dependendo do deságue. A taxa de salvamento do membro se aproxima de 100% no estágio Scher I e II; as embolizações distais podem resultar em amputação de dedos em pacientes com lesões estágio III de Scher, mas amputação de braço é incomum.26,27
No caso do paciente em questão, por se tratar de uma SDT arterial com compressão causada por costela cervical unilateral verdadeira e completa (tipo III), com complicações arteriais (aneurisma da artéria subclávia e embolização distal), foi indicado o tratamento de todas as patologias compressivas e isquêmicas em um só ato operatório. Foi realizada uma via de acesso supra e outra infraclavicular; uma axilar distal e outra na prega antecubital direita. A seguir, ressecção da costela cervical e da primeira costela, associada à escalenectomia.
Neste caso, com aneurisma infraclavicular, usamos vias supra e infraclaviculares simultâneas, que dão acesso amplo e seguro às estruturas e permitem a ressecção das partes posterior e anterior da primeira costela. Simultaneamente, outra equipe realizou a colheita e preparo da veia safena interna esquerda, desde a região inguinal até o joelho, conforme decrito por nós anteriormente.28,29 Infiltramos o trajeto da veia a ser mobilizada com solução de papaverina a 0,1 mg/ml, o que evita a ocorrência de espasmo e favorece a dissecção em membros com isquemia crônica. Após, é realizada técnica de dissecção precisa e atraumática, com mínimo manuseio; as tributárias devem ser ligadas a 2 mm da parede da veia. Uma vez retirada de seu leito, a veia deve ser irrigada e distendida gradualmente, com solução de sangue autólogo heparinizado, contendo papaverina e no máximo a 100 mmHg de pressão. Mantemos o enxerto distendido com sangue autólogo heparinizado com papaverina enquanto não se realiza o implante. Ao se remover a veia para um enxerto ex vivo, a veia deve ser mantida distendida com solução de papaverina e soro fisiológico, a 4°C. Para devalvulação da veia empregamos rotineiramente um valvulótomo Insutucath®, de pequeno diâmetro. As reconstruções arteriais foram realizadas com técnica microcirúrgica preconizadas por nós previamente.8
Conclusão
A SDT deve ser lembrada como diagnóstico etiológico e diferencial na isquemia dos membros superiores. O tratamento deve ser individualizado e conduzido por equipe especializada. Entendemos que a descompressão neurovascular cervicobraquial e a revascularização do membro afetado devem ser realizadas simultaneamente para otimizar o ato cirúrgico e a recuperação do paciente. O tratamento da SDT, mesmo quando complexa, é factível, efetivo e durável.