Autor principal: Felipe Salis Leal de Meirelles – Acadêmico da Unirio Co-Autores:
Matheus Colombo Luvisario- Acadêmico da Unirio
Dimitri Saraiva Martins Marques – Acadêmico da Unirio Lucas Mannarino Santos de Campos – Acadêmico da Unirio Rafael Aguilar Sales – Acadêmico da Unirio
Mariana Salis Leal de Meirelles- Médica da Clínica Meirelles Sergio Silveira Leal de Meirelles – Cirurgião Vascular Marcos Arêas Marques – Médico Angiologista do HUGG
Stênio Karlos Alvim Fiorelli – Professor de Cirurgia Vascular do HUGG
Bernardo Cunha Senra Barros – Professor de Cirurgia Vascular do HUGG Eduardo Trindade – Cirurgião Vascular da UFRJ
INTRODUÇÃO
O tratamento das veias varicosas data desde o século XIX, com Trendelenburg fazendo as primeiras ligaduras de safena para a correção da doença venosa crônica (DVC) e os avanços nas técnicas operatórias, sobretudo nos últimos 25 anos, trouxeram novas perspectivas no tratamento dessas. Desde a aplicação da energia de radiofrequência para a ablação da veia safena até o redirecionamento das técnicas dermatológicas a laser para o tratamento das varizes, as evoluções na cirurgia vascular tendem à aplicação de técnicas cada vez menos
invasivas. Nesse sentido, a escleroterapia com espuma ecoguiada (EEE) cresce como uma possibilidade de baixo custo e alternativa, em alguns casos, a cirurgia convencional1.
A primeira tentativa de se injetar um produto medicinal para se conseguir um efeito esclerosante remete ao século XVII, quando Zollikofer introduziu um ácido em uma veia para provocar uma trombose. No entanto, foi apenas no século XIX que o cirurgião francês Pravaz
inventou um dispositivo no qual um pistão poderia ser acionado em uma seringa permitindo que se escolhesse uma dose exata a ser administrada2.
Somente os agentes esclerosantes do tipo detergentes são capazes de se transformar em espuma. Sendo assim, embora o morruato de sódio, mais antigo representante deste grupo, tenha sido utilizado pela primeira vez em 1930 por Higgins e Kittel, apenas em 1939 que McAusland testou a injeção dessa substância na forma de espuma no tratamento da telangiectasia³.
Diferentes técnicas para formação de espuma foram desenvolvidas ao longo do tempo, como a utilização de pequenas peneiras ou filtros, descrita em 1936 por Waldschmidt, ou o método da escova giratória em uma solução detergente, descrita por Wilsmsmann em 19644.
Embora não utilizasse ou mesmo sugerisse o uso da espuma, o trabalho de Orbach, de 1944, trouxe observações com potencial de revolucionar a flebologia, ao injetar esclerosante dentro de um seguimento venoso colabado entre dois torniquetes, para em seguida
liberar o bloqueio proximal. Com o bloqueio distal ainda presente, o suprimento de novo sangue venoso era impedido ou diminuído, de
forma que a diluição do líquido esclerosante era menor. Para intensificar o contato entre o agente e o endotélio, Orbach descobriu ainda que a veia poderia estar livre de qualquer sangue, além de conseguir uma redução máxima no diâmetro do vaso, se injetasse até 3 ml de ar antes do tratamento2.
O oleato de etanolamina foi descrito pela primeira vez como substância esclerosante em 1937, por Biegeleisen. Em 1944, mesmo ano da publicação do trabalho de Orbach, o livro de Foote sugere a espuma dessa substância para o tratamento das veias aracneiformes1.
Combinando as duas técnicas, Sigg, em 1949, relata a utilização da técnica denominada foam-block. Pelo mesmo princípio de Orbach, ele injetou espuma antes do tratamento, pois a espuma é removida da veia varicosa menos rapidamente do que acontecia com a injeção pura de ar, potencializando o seu resultado1,2.
Em 1950, Orbach publica os primeiros trabalhos comparando a eficácia da espuma com a dos esclerosantes líquidos, demonstrando que a eficácia da espuma gerada pela agitação da seringa ou do frasco de medicamento aumentava em cerca de três a quatro vezes, em comparação com a mesma quantidade de líquido1,2.
Flückiger, em 1956, descreve a técnica da escleroterapia retrógrada, em que, através da elevação da perna e aplicação da espuma dentro da veia safena no sentido proximal para o distal, era possível alcançar colaterais incompetentes. Ele observou que, por conta da flutuabilidade, a espuma exibe apenas uma baixa tendência a movimentar-se no sentido do fluxo sanguíneo e que, após a sua injeção, ela pode ser deslocada pela massagem manual contra a periferia2,3. Outra contribuição de Flückiger foi a discussão da relação entre o tamanho das bolhas e a sua área de superfície de contato com o endotélio, argumentando que quanto menor fossem as bolhas, maior seria a área de superfície de contato. Ele também criticou as técnicas de Orbach e Sigg, que consistem na agitação de uma seringa para formação da espuma, classificando-as como inapropriadas, visto que o resultado era a formação de bolhas heterogêneas não muito pequenas. Ele inventa, então, a técnica de aspiração simultânea de ar e esclerosante, em que uma delicada agulha é utilizada e 2/3 do da abertura do bisel ficam embebidos no líquido ao passo que o ar é tracionado pelo êmbolo simultaneamente ao oleato de etanolamina1,4. Mayer e Brücke publicaram, em 1957, o que viria a ser um marco acerca do aprimoramento e da padronização da espuma, descrevendo um dispositivo (figura 1) que utilizava uma seringa de êmbolo duplo desenvolvida especificamente para a sua preparação. O dispositivo dispunha de um êmbolo principal, maior, e um segundo êmbolo mais fino com numerosos orifícios. A fixação do êmbolo principal permitia
que o segundo se movimentasse para frente e para trás, fazendo com que ar e substância esclerosante (oleato de etanolamina) fossem misturados através dos orifícios, criando bolhas uniformes menores do que 250μm, chamadas de microespuma1-5.
O polidocanol, esclerosante mais utilizado atualmente, só teve seu uso descrito na década de 1960. Em 1963, Henschel descobriu que injeções intravasculares de concentrações mais altas de polidocanol provocavam o efeito colateral de irritação da parede venosa. Entre 1963 e 1966, Lunkenheimer testou seu uso como agente esclerosante e, após isso, começaram as vendas da solução de polidocanol3. O uso da ecografia no tratamento por EEE
Dois outros aprimoramentos foram propostos antes da utilização das técnicas de imagens ultrassonográficas. Gillesberger, em 1969, propõe uma técnica de formação de espuma que se baseava na geração de pressão negativa em uma seringa, de forma que o ar pudesse adentrar através de uma fenda capilar entre o pistão da seringa e o êmbolo e, dessa forma, formar bolhas e, em 1984, Hauer submete patente de um conjunto com duas seringas paralelas, uma com ar e outra com solução esclerosante que lançavam simultaneamente seu conteúdo para dentro de uma câmara de mistura, onde ocorria a formação da espuma1.
A combinação da ultrassonografia modalidade B e o efeito Doppler foram descritas pela primeira vez em 1974, por Barber, com finalidade diagnóstica. Em 1989, Knight, Vin e Zygmunt descrevem o uso dessa técnica na terapêutica, com a ideia de aumentar a segurança da escleroterapia, evitando injeções intra-arteriais ou extravasculares inadvertidas do esclerosante1.
Cabrera, em 1994, apresentou pedido de concessão de patente de uma técnica de formação de espuma a partir da agitação de solução com uma escova giratória de alta velocidade e o acréscimo de dióxido de carbono e/ou oxigênio como gases carreadores1. Cabrera utilizou a espuma, aliado ao uso da ecografia, para tratamento da veia safena e outras más-formações venosas com grande êxito5.
O método MUS, apresentado por Monfreux em 1997, utilizava um sistema de pressão negativa similar ao proposto por Gillesberger. Uma pressão negativa é gerada em uma seringa de vidro cheia com solução esclerosante e, pela entrada de ar através da delicada fenda entre o cilindro e o êmbolo da seringa, transforma-se a solução em espuma densa1,5.
Em 1999, Garcia Mingo também descreveu um dispositivo específico para formação de espuma. O foam medical system consistia na utilização de um cilindro com gás (hélio, dióxido de carbono ou outros) pressurizado para dentro de uma segunda câmara que contêm a solução esclerosante1.
A primeira apresentação da famosa técnica de turbilhão foi apresentada por Tessari em 1999. Apenas com o uso de seringas comuns (de
2 a 10 ml), uma torneira de três vias, e 20 movimentos de bombeamento era formada uma espuma densa. Essa técnica permitia, pela primeira vez, que a espuma pudesse ser formada sem qualquer equipamento especial1. À época, somente o tetradecil sulfato de sódio era utilizado5.
A primeira tentativa de padronização da formação da espuma pelo método de turbilhão foi proposta por Hamel-Desnos, em 2001, através do DSS (Double serynge system)5 que preconizava que uma espuma mais estável, homogênea e com bolhas mais delicadas.
A técnica de Tessari-DSS é até hoje uma das formas mais simples e barata para formação de espuma densa e homogênea. No entanto, alguns dispositivos de mesmo objetivo foram propostos ao longo dos anos. O TurboFoamer® foi apresentado por Hamel e Desnos em 2001, um sistema mecânico computadorizado destinado a agitar o sistema DSS com potência e duração definidas. No intuito de solucionar o problema da degradação do polidocanol, que pode ocorrer se for exposto ao oxigênio por um período mais longo, Writh e
Harman apresentaram, em 2003, uma lata de espuma melhorada com construção de “bolsa na válvula”. Em 2005, Wollmann apresentou o conjunto EasyFoam®, uma versão mais avançada do sistema Tessari-DSS, contendo o componente gasoso na quantidade necessária em uma única seringa, uma ligeira modificação da relação de líquido para gás da relação DSS, além de outras alterações. De maneira semelhante ao método de Flückiger, Gobin e Benigni publicaram, em 2006, a técnica de Sterivein, utilizando uma única seringa e um filtro de ar, com a geração de espuma sendo feita mediante movimentos de bombeamento1,3.
Os consensos europeus dos anos de 2003 e 2006, que aconteceram em Tergensee, Alemanha, foram eventos científicos que visaram à padronização da EEE. Neles, foram feitas recomendações que permitiram que o procedimento deixasse de ser considerado experimental. Outra importante contribuição foi o trabalho de Guex, de 2005, que analisou 12.173 sessões de escleroterapia em estudo multicêntrico e prospectivo, que avaliou a segurança da técnica. Nele, foi relatado de acidentes visuais (0,4%) e prevalência de trombose venosa
profunda (TVP) em apenas 3:10.000 sessões6.
Para fins didáticos, foi elaborada uma linha do tempo com as principais inovações técnicas da utilização da espuma para uso em escleroterapia ao longo do século XX, conforme exposto.
METODOLOGIA
As informações obtidas para estruturar esse trabalho são de difícil aquisição, visto que não há muitos artigos e relatos publicados no
Brasil sobre a técnica da EEE. Foram realizadas entrevistas com as atuais referências da especialidade na cidade do Rio de Janeiro que se dispuseram a contribuir com a pesquisa, além de informações obtidas em acervos de universidades e hospitais que trabalham com a especialidade e disponibilizam um histórico do seu trabalho, evolução e nomes que por ali passaram. Para a revisão da literatura foram utilizadas as bases de dados do SciELO, PubMed, Google Scholar, LILACS e CNPq – Currículo Lattes, sendo aceitos artigos em português, inglês e espanhol, com o uso dos descritores: ‘história da escleroterapia com espuma’; ‘EEE’ e ‘escleroterapia com espuma’. Não houve restrição quanto à data de publicação.
DISCUSSÃO
Os anos 2000 foram marcados pela popularização da técnica de EEE, sobretudo na Europa2. No Brasil, o primeiro trabalho sobre o assunto só foi publicado no Jornal Vascular Brasileiro (JVB), em setembro de 2006. Nele, Figueiredo relatou o tratamento de varizes tronculares primárias por EEE em 25 pacientes. O estudo selecionou pacientes classificados entre C3 e C6 de acordo com a classificação clínica, etiológica, anatômica e fisiopatológica (CEAP), sendo excluídos aqueles que apresentavam antecedentes de TVP, trombofilia, gestação, neoplasia e insuficiência arterial periférica. Utilizou-se microespuma de polidocanol (3%) preparada a partir da proporção de 1:5, obtida pela técnica de Tessari. A compressão pós-tratamento foi feita com atadura inelástica por cinco dias e, posteriormente, com meia elástica de compressão graduada (MECG) por até três meses. Os pacientes foram monitorizados por eco Doppler colorido (EDC) após o tratamento por um ano, caracterizando sucesso pela ocorrência de oclusão total ou recanalização parcial sem refluxo, enquanto o
insucesso foi caracterizado pela recanalização parcial com refluxo ou recanalização completa ao final do período. Dos 25 pacientes tratados, 21 tiveram oclusão ou recanalização parcial sem refluxo, alcançando uma taxa de sucesso de 84%7.
Em 2009, Figueiredo publicou no European Journal of Vascular & Endovascular Surgery um trabalho comparando a eficácia do tratamento cirúrgico com a EEE em pacientes de classificação CEAP C5. Dos 60 pacientes selecionados, 27 foram tratados por EEE e 29 por cirurgia, enquanto quatro foram excluídos por abandono. Os pacientes foram acompanhados com EDC antes do tratamento e 30, 60 e 180 dias após. Foi observado que a safena magna foi ocluída em 90% do grupo cirúrgico e em 78% do grupo de EEE8.
Outra importante publicação da época foi proposta por Bastos, em 2011. Sua pesquisa analisou os efeitos da EEE em 2.677 sessões, tratando 1.067 pacientes, entre 2004 e 2010, com classificação CEAP de C3 a C6, sendo a maioria C3 (45,7%). O trabalho não detalha o acompanhamento dos resultados em termos de recanalização da veia tratada. No entanto, relata que a oclusão acontece, em média, em 84,4% dos casos e que os sinais mais objetivos de eficácia do tratamento foram o desaparecimento das veias dilatadas e dos sinais e sintomas de DVC. Dos 1.067 pacientes tratados, em 40% foi feita apenas uma sessão; em 25%, até duas sessões; em 15%, três sessões;
e mais de três sessões foram realizadas em cerca de 20% dos casos, sendo 10 o número máximo de sessões realizadas no mesmo paciente. As complicações encontradas foram formação de esclerus em 12,2% e escotoma visual em 0,64% dos casos. O trabalho preconiza o uso de MECG de 20-30 mmHg, podendo se obter uma compressão dupla utilizando duas meias em sobreposição.
Recomendava ainda compressão suplementar em regiões selecionadas com bolas de algodão fixadas com Micropore®9.
O segundo artigo de mesmo tema publicado no JVB foi apenas em 2012, e avaliava o resultado do tratamento em quase três vezes mais casos do que o de Figueiredo, em 2009. A pesquisa de Silva avaliou os efeitos da EEE em 71 pacientes, portadores de DVC CEAP C6 com mais de seis meses de evolução. Os métodos foram similares aos do trabalho de Figueiredo, no entanto utilizou a proporção agente/ar de 1:4 e a realização de compressão excêntrica no trajeto da veia tratada associada à compressão concêntrica do membro com faixa inelástica por 48h, e posterior contenção elástica por 30 dias. A cicatrização da úlcera ocorreu em 64 dos 76 membros e, mesmo nos pacientes que mantiveram a úlcera após 89 dias, houve melhora dos sinais e sintomas. A maior parte dos casos (88,2%) não teve complicação, e somente em dois casos (2,6%) foi constatado TVP10.
Coelho Neto, em 2013, avaliou os resultados de EEE em 87 pacientes, CEAP C5 e C6, em um centro de saúde pública de Brasília. O estudo evidenciou a cicatrização das úlceras em 85% dos casos, condizente com os achados de Bastos, concluindo que a técnica se mostrava segura e eficaz no tratamento das varizes associadas a DVC11.
Em 2015, foi publicado o primeiro artigo no JVB que buscava correlacionar a qualidade de vida com o tempo de enchimento venoso (TEV) antes e depois do tratamento de EEE, em um grupo de 32 pacientes. A pesquisa avaliou a qualidade de vida através da aplicação da versão brasileira do questionário VEINESQOL/Sym, enquanto o TEV foi aferido por fotopletismografia (FPG) antes e 45 dias após o tratamento. O estudo concluiu que a EEE mostrou-se eficaz, com alto índice de satisfação e baixas taxas de complicações maiores, como o TEV, por exemplo12.
Em 2016, a Rede Globo de televisão transmitiu em seu programa Fantástico, uma matéria que viria a ser um importante marco para a EEE no país. A reportagem, que contou com a participação do então presidente da SBACV Nacional, Ivanésio Merlo, retratou a prevalência da DVC na população brasileira e a relevância do seu tratamento, ressaltando as enormes filas para o tratamento cirúrgico
não estético das varizes no Sistema Único de Saúde (SUS) e abordou o sucesso terapêutico de alguns serviços, sobretudo o de Marcelo Liberato, na Bahia, ressaltando o impacto da EEE no tratamento da DVC diante da insuficiente oferta pública de cirurgia para a demanda populacional13. A matéria concluiu com a fala do ex-ministro da saúde, Ricardo Barros, dizendo que determinaria que a Comissão de Incorporação de Novas Tecnologias (Conitec), incluísse o procedimento no SUS.
O relatório de recomendação, que contava com 25 páginas, selecionou 31 artigos, dentre revisões sistemáticas, metanálises e ensaios clínicos randomizados, retratando a eficácia e segurança da técnica, escolha do agente esclerosante e qualidade de vida, e descrevia que a EEE é pelo menos tão eficaz e segura quanto à cirurgia. O documento fez ainda uma análise sobre o impacto orçamentário, considerando os valores do Sistema de Gerenciamento da Tabela Unificada de Procedimentos do SUS (SIGTAP/SUS). Foi avaliado que o custo do tratamento com EEE unilateral era de R$ 300,78 e bilateral de R$ 392,62, ambos acrescidos do EDC, 35% menor do que o custo da cirurgia14. O Registro de Deliberação nº 229/2017 foi assinado em 12 de janeiro de 2017, recomendando a incorporação do procedimento para o tratamento não estético de varizes de membros inferiores. A Portaria nº 4, de 31 de janeiro de 2017, foi publicada em 1º de fevereiro do mesmo ano no Diário Oficial da União, incorporando o procedimento no âmbito do SUS15.
Em 2018, durante o I Meeting Nacional da SBACV em São Paulo, Rodrigo Kikuchi apresentou a padronização do método de tratamento com EEE. A comissão, que contava com os coordenadores Bruno Naves e Elias Arcenio Neto, junto com os membros da subcomissão de EEE, Eduardo Trindade e Marcelo Liberato, revisou 198 artigos sobre o assunto no intuito de se propor recomendações, a nível nacional. O trabalho estabeleceu recomendações acerca das indicações e contraindicações, dose máxima do agente esclerosante (2 mg/kg) e volume máximo de espuma. Além de recomendar o uso de EDC, da torneira de três vias (técnica de Tessari), contra a utilização de agulhas mais finas que 26G e manter material de ressuscitação ao alcance, com pessoal treinado. O relatório também padroniza as concentrações do polidocanol, locais de punção, técnicas de execução, a terapia compressiva e o acompanhamento ecográfico16.
A história do crescimento e popularização da EEE no Estado do Rio de Janeiro conta com diversos protagonistas, de forma que é difícil
precisar todos que fizeram parte desse processo. No entanto, tal qual o cenário nacional, a técnica era bem pouco difundida antes do
início da última década. Os doutores Bernardo Barros17 e Eduardo Trindade18 são certamente dois dos grandes responsáveis por esse crescimento no Estado, e tiveram seus principais contatos com a EEE em meado dos anos 2010. Barros refere que seu entusiasmo pela espuma começou nessa época, quando da sua participação no European Venous Forum, congresso europeu com foco no tratamento de doenças venosas.
Trindade também teve sua vocação pela técnica motivada de forma contemporânea. Em 2010, durante um congresso em Buenos Aires, Argentina, ele relata que fora convidado por Francisco Reis Bastos, um dos precursores da técnica no Brasil, a assistir a sua apresentação de alguns casos sobre espuma. “Ali iniciou-se de verdade o meu interesse pelo assunto”, relata Trindade.
Bastos, inclusive, tem outra participação no desenvolvimento dessa técnica no Rio de Janeiro ao ministrar um curso teórico sobre EEE
durante o Encontro Mineiro da SBACV, com Barros como um de seus ouvintes. Esse curso o motivou ainda mais a aprofundar seus estudos e conhecimentos sobre a técnica, e impulsionou em grande escala sua vontade de realizá-la, embora reconheça que o tema era, à época, muito novo: “ninguém falava nisso, imagina fazer”, conta. Outra participação digna de nota na história do Rio de Janeiro é de
Eduardo Toledo de Aguiar, de São Paulo, mas que esporadicamente executava EEE também no Rio de Janeiro. Barros relata, inclusive, ter tido diversas experiências com a espuma acompanhando os casos de Toledo.
O Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), chefiado por Carlos Eduardo Virgini Magalhães, teve grande importância, na evolução da técnica no Estado, implementando, desde 2014, a EEE no tratamento de pacientes acometidos pela DVC, exclusivamente em ambiente ambulatorial19. No entanto, os primeiros pacientes foram tratados, em centro cirúrgico. Segundo Barros, a ideia inicial era fazer em ambiente ambulatorial, porém isso não foi possível, pois além das limitações de acesso do próprio Serviço, se tratava ainda de uma ideia embrionária.
Na época, Barros propunha tratar os casos de pacientes com úlceras venosas e varizes com a técnica, mas a falta de codificação para cobrança pelo SUS dificultava a sua execução. De fato, a Uerj custeou o tratamento por vários anos com recursos próprios, até que a codificação foi aceita pela Conitec em 201714,15. A proposta foi aceita pelo Chefe do Serviço, Virgini Magalhães, que apoiou a iniciativa. Foram tratados 17 casos com úlcera venosa no centro cirúrgico da Policlínica Piquet Carneiro (UERJ), todos, segundo Barros, com fechamento da ferida. A ideia foi apoiada também por Carmen Lúcia Lascasas Porto, Chefe do Serviço de Angiologia do Hupe, que trouxe referências estrangeiras para contribuir com o aperfeiçoamento da técnica.
Foram necessárias preparações para a transição do ambiente cirúrgico para o ambulatorial. De acordo com Barros, os preparativos do ambulatório, como alteração das macas, compra do EDC e outros materiais foram custosos. Barros destaca a importância do apoio da SBACV-RJ, de outros colegas que trabalhavam com a EEE e inclusive da reportagem do programa “Fantástico” no processo de regulamentação para captação de verbas e viabilização do projeto.
A influência do trabalho de Barros atinge hoje também o Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Barros, que é professor de Cirurgia Vascular da instituição, junto com o angiologista Marcos Arêas Marques, da cirurgiã vascular Helena dos Santos e do chefe da cadeira, professor Stênio Fiorelli, vem desenvolvendo um projeto de espuma no hospital desde 2020. O intuito é tornar o serviço um centro de treinamento e excelência no tratamento de varizes com EEE, estimulando publicações e teses de término de curso.
Outra importante referência na história da EEE no Estado do Rio de Janeiro é o trabalho realizado no município de Macaé. Em 2017, foi realizado nesta cidade o primeiro curso teórico-prático do Estado, liderado por Trindade. O intuito do Vascular Prime® sempre foi de orientar a capacitação de cirurgiões vasculares na técnica de EEE. O teor prático, sobretudo do uso do EDC, foi inclusive um grande diferencial, pois outros cursos do país eram voltados para apresentação de casos e exposição teórica do tema.
A importância dos conhecimentos ecográficos já fora relatada diversas vezes na evolução do tratamento com EEE1,6,10,21,22. Para Trindade, a espuma, que é uma técnica já antiga, foi reintroduzida na prática clínica por conta do surgimento de diversos aparelhos que conseguem mensurar a interação espuma/humano, como a realidade aumentada, fleboscópio e EDC com maior resolução. O trabalho de Cerati, publicado no periódico de Radiologia Brasileira, em 2011, é um exemplo dessa importância. Eles evidenciaram a segurança e
eficácia do tratamento com EEE em 18 pacientes, e foi resultado de uma pesquisa conjunta entre membros do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem com Okano, cirurgião vascular20.
Segundo Trindade, o crescimento da EEE em Macaé se deve muito a vocação da cidade, assim como de outras do interior do Brasil, no tratamento da DVC. Problemas de saúde de alta complexidade tendem a concentrar o tratamento nos grandes centros urbanos. No entanto, os pacientes portadores de DVC1,3,6,7,11,12,16,21 valorizam a proximidade em seus tratamentos.
Seu trabalho com EEE na cidade teve início em 2016, através de uma iniciativa filantrópica, no chamado Asilo dos Idosos da cidade, realizando o tratamento em pacientes que procuravam o ambulatório com problemas vasculares.
Sua participação na elaboração de recomendações para o tratamento de varizes por EEE não se limita ao Rio de Janeiro, tendo participado da formação da padronização do método de tratamento com EEE pela SBACV. Seus cursos permitiram que inúmeros colegas especialistas tivessem contato de fato com a técnica e foram fundamentais para a propagação do conhecimento científico nesse setor para todo o Estado.
Sobre o futuro da técnica no país, Barros acredita que as iniciativas, embora brilhantes, ainda são resultado das ações independentes de pequenos grupos, defendendo que a uniformização, através de um projeto de saúde público-privada, traria resultados melhores.
Trindade, por sua vez, acredita que a técnica tende a ser cada vez mais empregada na prática clínica, pois na abordagem do paciente de
varizes em diversos estágios é possível incluir, com critérios, grande parte deles no tratamento ambulatorial de EEE, diminuindo as hospitalizações. Ele pondera, contanto, que mais pesquisas sobre a DVC são necessárias, visto a pequena quantidade de trabalhos em comparação com outras doenças de semelhante, ou até menor, prevalência.
CONCLUSÃO
A técnica da EEE como conhecida hoje foi resultado de uma série de aprimoramentos e descobertas que se desenvolveram ao longo de quase um século. A descoberta da espuma para fins de tratamento de DVC marcou a possibilidade de se tratar uma questão, antes apenas cirúrgica, ambulatorialmente, trazendo um benefício social revolucionário. No Brasil, a participação da sociedade e da mídia exerceram papel fundamental na implementação e inclusão da técnica no SUS, permitindo a sua plena realização na saúde pública. Os resultados provam que os investimentos na capacitação de novos profissionais e nas estruturas necessárias para que a EEE seja aplicada produzem retornos esplêndidos para a saúde da população, visto que a prevalência da DVC na sociedade brasileira ainda é muito grande.
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