Embolização de quadril para alívio de dor refratária em paciente com fratura de quadril – Relato de caso

*Mateus Picada Correa, MD; Jaber Nashat de Souza Saleh, MD; Luiza Borges, MD, Renan Camargo Puton, MD; Rafael Stevan Noel, MD; Julio Cesar Bajerski, MD

Invasc – Instituto Vascular de Passo Fundo. Passo Fundo, RS

INTRODUÇÃO

A embolização inflamatória foi primeiramente publicada em 2013 por Okuno et al no Japão,1 com o objetivo de

aliviar sintomas de fasceíte e tendinite refratárias a tratamento clínico e sem indicação cirúrgica. Com a aquisição de experiência, as indicações foram expandidas para osteoartrite e em dor pós-operatória refratárias.2 Neste artigo,

apresentaremos um relato de caso de um paciente com dor refratária após fratura e cirurgia de quadril, no qual a técnica foi utilizada.

RELATO DE CASO

Paciente 69 anos, médico, apresentou queda de cavalo há quatro anos, com fratura cominutiva de quadril esquerdo, tratado com reconstrução do quadril pela ortopedia, com fixação com placas. Após fisioterapia, evoluiu com retorno

às suas atividades profissionais, com deambulação natural, porém permaneceu com dor crônica refratária a tratamento clínico. A dor no início do dia é 2/10 na escala analógica visual de dor, porém é progressiva, sendo 10/10 à noite. Refere dificuldade para dormir devido à dor. Refere também que, pelos sintomas de hiperplasia benigna de próstata (HPB), acorda diversas vezes, o que piora ainda mais a dor no quadril. Em uso no momento de tramadol+paracetamol (37,5+325) e dipirona 1g 3x ao dia, além de pregabalina 75mg pela manhã e 150mg à noite, além de medicamentos para hiperplasia prostática benigna. Realiza fisioterapia duas vezes na semana, exercícios diários no elíptico, tendo realizado radiofrequência no quadril sem melhora.

Por acesso contralateral, foram realizadas inúmeras tentativas de cateterização do ramo púbico do ramo anterior da artéria hipogástrica esquerda, sem sucesso, devido ao artefato causado pela placa da reconstrução pélvica. Foi então

realizada cateterização da artéria circunflexa superficial lateral esquerda, na qual o paciente referiu sentir desconforto à injeção de contraste, apesar da não identificação de “blush” inflamatório no local. Foi realizada embolização com

“areia” de imipenen/cilastatina até alívio da dor (Figura 1). No mesmo tempo cirúrgico, foi realizada embolização da artéria prostática direita com Embosphere 300-500 (Figura 2).

Figura 1 – (A) Arteriografia de artéria circunflexa superficial lateral esquerda, demonstrando área de blush, com melhora após embolização (B). O paciente já não referia dor na topografia ao final da injeção. Note a prótese utilizada na reconstrução do quadril nesta imagem (*).

Figura 2 – Arteriografia pré (A) e pós (B) embolização de artéria prostática direita.

Após o procedimento, o paciente referiu melhora de 85% da dor no quadril, mantendo dor 6/10 na sínfise púbica, com melhora de 90% dos sintomas de HPB. Foi optado por aguardar três meses, tempo de melhora completa dos sintomas inflamatórios, para reavaliar. Após este tempo, paciente desejou aliviar o restante da dor, haja visto a significativa melhora do resto da pelve. Foi então submetido à nova tentativa e, neste momento, foi possível cateterizar o ramo púbico (Figura 3), com embolização com imipenen/cilastatina até melhora dos sintomas. O paciente segue em acompanhamento na clínica, agora com 26 meses de acompanhamento, referindo dor ocasional 1/10 na pelve, apenas quando exercita-se em excesso, e sem sintomas urinários. Usa a mesma dose de pregabalina e paracetamol 750mg e dipirona 1g esporádicos quando a dor torna-se excessiva.

Figura 3 – Arteriografia do segundo tempo cirúrgico em AP + crânio-caudal, demonstrando o ramo arterial púbico com blushes inflamatórios (A, seta), com melhora após a embolização (B). O paciente referiu alívio do desconforto em sínfise púbica após a embolização.

DISCUSSÃO

A embolização inflamatória emergiu na última década como uma opção terapêutica para pacientes com patologias ortopédicas sem indicação cirúrgica e refratários a tratamento cirúrgico. Após os procedimentos iniciais em patologias inflamatórias em tendão calcâneo, fasceíte plantar, evoluiu para osteoartrite de joelho, o sítio mais prevalente da lesão, e posteriormente, para as demais articulações.

A técnica consiste na identificação das áreas de inflamação na ressonância magnética, correlacionando-as ao exame físico. No procedimento, identificam-se as artérias nutridoras das áreas inflamatórias, nas quais são evidentes áreas de blush tumor-like. Essas áreas são tratadas com embolização até melhora da imagem, preservando a circulação normal da articulação. Os estudos de embolização das artérias geniculares, o tratamento mais comum pela prevalência da osteoartrite de joelho, demonstram média de alívio de sintomas de 79,8% em quatro anos.3

Nos últimos cinco anos, houve um aumento no interesse ao procedimento, com diversos grupos ao redor do mundo publicando suas coortes, além da publicação das primeiras coortes de dor refratária pós-cirurgias ortopédicas e em lesões esportivas. No momento, os primeiros ensaios clínicos randomizados estão em andamento. O primeiro ensaio clínico randomizado é brasileiro e o arrolamento foi concluído em dezembro de 2022.4

Há apenas uma coorte publicada de embolização inflamatória de quadril, envolvendo a síndrome dolorosa do grande trocanter e a osteoartrite de quadril, com resultados de curto prazo animadores.5 Nosso grupo apresenta bons resultados em embolização de dor refratária em pós-operatório de artroplastia de joelho, quadril e tornozelo, porém os dados ainda estão em análise para futuras publicações.

Lesões traumáticas de quadril como a descrita neste estudo ainda não foram publicadas. Porém, alguns detalhes técnicos devem ser ressaltados. Primeiro, a quantidade de metal causa artefatos importantes tanto na ressonância quanto no procedimento, e interferem na análise dos achados de imagem.

No primeiro tempo do procedimento, não foi possível identificar de forma efetiva os ramos do ramo anterior da artéria hipogástrica esquerda, o que pode exigir mudanças na abordagem. Portanto, um adequado conhecimento da anatomia vascular da região-alvo é necessário para o sucesso do procedimento. Como não foi possível realizar a melhora total do paciente, optamos por abordar em diferentes incidências não tentadas na primeira sessão e, com um crânio-caudal bastante significativo, foi possível identificar a artéria-alvo.

Segundo, a embolização da artéria prostática foi realizada no mesmo tempo cirúrgico por desejo do paciente e por estarmos com o mesmo acesso para os dois procedimentos. Havia a hipótese de que a redução da necessidade de urinar durante a noite aliviaria também os sintomas do quadril. A embolização de uma única artéria prostática já estava antecipada, já que estudos demonstram eficácia clínica da embolização de uma única artéria prostática em uma porcentagem significativa dos pacientes.

CONCLUSÃO

O resultado em longo prazo deste paciente e o retorno à uma vida ativa, ilustram a versatilidade e eficácia da embolização inflamatória. Mais estudos são necessários para avaliar as reais indicações e os resultados de longo prazo deste procedimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Okuno Y, Matsumura N, Oguro S. Transcatheter arterial embolization using imipenem/cilastatin sodium for tendinopathy and enthesopathy refractory to nonsurgical management. Journal of vascular and interventional radiology : JVIR 2013; 24(6): 787-92.
  2. Okuno Y, Korchi AM, Shinjo T, Kato S. Transcatheter arterial embolization as a treatment for medial knee pain in patients with mild to moderate osteoarthritis. Cardiovascular and interventional

radiology 2015; 38(2): 336-43.

  • Okuno Y, Korchi AM, Shinjo T, Kato S, Kaneko T. Midterm Clinical Outcomes and MR Imaging Changes after Transcatheter Arterial Embolization as a Treatment for Mild to Moderate Radiographic Knee Osteoarthritis Resistant to Conservative Treatment. Journal of vascular and interventional radiology : JVIR 2017; 28(7): 995-1002.
  • Correa MP, Motta-Leal-Filho JM, Lugokeski R, Mezzomo M, Leite LR. GAUCHO – Trial Genicular Artery Embolization Using Imipenem/Cilastatin vs. Microsphere for Knee Osteoarthritis: A Randomized Controlled Trial. Cardiovascular and interventional radiology 2022; 45(7): 903-10.
  • Correa MP, Motta-Leal-Filho JM, Junior EB, et al. 6-Month Follow-up of Lateral Femoral Circumflex Artery Embolization to Control Pain Related to Hip Osteoarthritis and Greater Trochanteric Pain Syndrome. Cardiovascular and interventional radiology 2022; 45(11): 1710-5.
  • Uflacker A, Haskal ZJ, Bilhim T, Patrie J, Huber T, Pisco JM. Meta-Analysis of Prostatic Artery Embolization for Benign Prostatic Hyperplasia. Journal of vascular and interventional radiology : JVIR 2016; 27(11): 1686-97.e8.