Mapeamento venoso do membro superior para confecção de FAV: avaliação da veia basílica

*Yanna Cristhina Moreira Thomaz, Angiomed – Centro de Tratamento de Doenças Circulatórias – Rio de Janeiro, Serviço de Cirurgia Vascular e Endovascular – Uerj – Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO

Um número cada vez maior de pacientes evolui para a insuficiência renal crônica e requerem hemodiálise. Com isso, os acessos vasculares para hemodiálise têm sido mais necessários. Ao longo da vida dialítica dos pacientes, as fístulas arteriovenosas vão sendo realizadas em escala crescente de complexidade.

A fistula arteriovenosa (FAV) com veia autóloga é reconhecida como sendo a primeira opção, por possuir uma maior perviedade a longo prazo, com menor taxa de infecção e menor morbimortalidade. A infecção relacionada ao cateter venoso central e às próteses sintéticas contribui para as altas taxas de sepse nestes pacientes. A perviedade secundária das próteses para hemodiálise vem aumentando com a utilização de procedimentos endovasculares, porém com um custo muito elevado, quando comparado às fístulas autólogas.

As FAV autólogas são preferencialmente realizadas no punho, seguidas pela fistula braquio-cefálica no cotovelo e, depois, a fístula braquio-basílica. A transposição da veia basílica é então recomendada antes da utilização de FAV com prótese.

A utilização de próteses para confecção de FAV tem sido reservada para pacientes com falência de acessos autólogos, sem veias apropriadas ou com baixa expectativa de vida.

A falência precoce das FAV autólogas está diretamente relacionada às condições das artérias e veias envolvidas no procedimento. Sabe-

se que veia doadora menor que 3 mm de diâmetro é o principal fator preditor de falência precoce da FAV. Da mesma forma, a bifurcação alta da artéria braquial também está relacionada a insucessos1.

A compreensão pelo cirurgião vascular da anatomia venosa do braço a ser abordado e das possíveis variações anatômicas presentes tem papel fundamental na escolha do melhor sítio para a realização da anastomose arteriovenosa.

RELATO DE CASO

Este relato se refere a uma paciente do sexo feminino de 64 anos, diabética, portadora de fístulas radio-cefálica e braquio-cefálicas trombosadas, ambas no membro superior direito. Encontra-se em hemodiálise através de permcath instalado na jugular interna direita. Ao exame físico, ausência de veias superficiais detectáveis nos membros superiores.

Realizado eco color Doppler venoso dos membros superiores para planejamento cirúrgico e confecção de novo acesso para hemodiálise.

O exame revelou trombose completa de aspecto antigo e retração pós-trombótica da veia cefálica no antebraço direito; trombose completa de aspecto subagudo não recente da veia cefálica no braço direito; hipoplasia da veia cefálica esquerda em toda a sua extensão, com diâmetros inferiores a 2 mm.

Veias basílicas preservadas, com diâmetros de cerca de 3,5 mm, bilateralmente (imagem 1 e 2). À direita, a veia basílica conflui com veia braquial duplicada no terço proximal do braço, a cerca de 17 cm acima da prega cubital. À esquerda, conflui com veia braquial única no terço médio do braço, a cerca de 9 cm acima da prega cubital (imagem 3), continuando cranialmente como veia braquial única(imagem 4).

DISCUSSÃO

O mapeamento venoso superficial do membro superior está indicado para todo paciente que será submetido à confecção da FAV. Muitos estudos já demonstraram que a realização deste exame aumenta a porcentagem de pacientes que recebem FAV autólogas, diminui a possibilidade de explorações cirúrgicas desnecessárias, está relacionada a processos de maturação mais curtos e aumenta a patência das FAV tanto autólogas como com próteses. O eco color Doppler também é importante na documentação de variações anatômicas das veias que podem impactar na conduta do cirurgião2.

Examina-se de rotina toda a extensão das veias cefálica e basílica em corte transversal, testando-se inicialmente sua compressibilidade para avaliar a perviedade. Em caso de trombose, a idade do trombo deve ser estimada. Em seguida, os diâmetros internos das veias são aferidos, assim como sua distância à pele. Estas medidas devem ser feitas nos terços proximal, médio e distal do braço, na altura da prega do cotovelo, nos terços proximal e médio do antebraço e na altura do punho. O local onde a veia basílica conflui com a veia braquial é marcado, e a anatomia das veias braquiais deve ser também avaliada2.

Existem referências a vários tipos de variações anatômicas das veias do antebraço, mas poucos relatos das variações que envolvem as veias basílica e braquiais3.

Os livros de anatomia descrevem a veia basílica distal com trajeto superficial, ascendendo ao longo da face medial do antebraço. Após cruzar a fossa antecubital, passar a ter trajeto paralelo aos vasos braquiais, acompanhando a borda medial do bíceps, perfurando a fáscia para passar ao compartimento profundo, conflui com veia braquial no terço proximal do braço, próximo a axila, formando a veia axilar4.

As veias braquiais são usualmente em número de duas e correm paralelas à artéria braquial, sendo formadas pela confluência das veias radiais e ulnares, próximo a altura do cotovelo4.

Anaya-Ayala descreveu três tipos de anatômicos para a confluência das veias braquial e basílica. O tipo I seria o equivalente às

descrições tradicionais nos livros de anatomia, quando a veia basílica se une a veia braquial no terço proximal do braço para formar a veia axilar. Nos tipos 2 e 3, a veia basílica se une à veia braquial nos terço médio ou distal do braço, sendo que, no tipo 2, a veia braquial permanece duplicada e, no tipo 3, ela é única a partir da confluência com a veia basílica. Este autor demonstrou que 66% dos pacientes por ele estudados pertencia ao tipo 1, 17% ao tipo 2 e 17% ao tipo 3. Os pacientes tipo 3 são os clinicamente mais relevantes2.

Na transposição da veia basílica, um longo trecho de veia deve ser mobilizado para promover uma extensão adequada para punção. Isso é facilmente executado nos pacientes tipo 1.

Quando a veia basílica conflui com a veia braquial em posição baixa, nos terços médio e distal do braço, a veia braquial é geralmente confundida com uma tributária da veia basílica e é ligada distalmente na confecção da fístula5.

Nos pacientes tipos 2 e 3, a veia braquial é totalmente mobilizada também. Nos de tipo 2, uma outra veia braquial está presente e fica

preservada. Nos pacientes tipo 3, a única via de drenagem profunda da região fica comprometida. Em caso de falência deste acesso, um próximo procedimento pode ser impactado pelo tipo anatômico preexistente2.

A confecção de uma FAV com prótese num membro com trombose de acesso e anatomia prévia tipo 3 pode se tornar inviável, visto que a trombose pode ascender proximalmente à axila em um membro já com a drenagem profunda comprometida pela ligadura da veia braquial única distal. Relatos na literatura demonstram o desenvolvimento de edema volumoso do membro e necessidade de ligadura da prótese nestes casos6. O conhecimento desta variação anatômica pode justificar a opção pela FAV com prótese antes da transposição da veia basílica2.

No caso relatado, identificamos uma anatomia tipo 1, à direita, e tipo 3, à esquerda, o que nos levou a indicar como próximo procedimento a realização de alça de basílica no membro superior direito. Caso se optasse pela utilização do membro superior esquerdo, consideramos que a FAV com prótese seria a melhor escolha.

CONCLUSÃO

Apesar das vantagens da alça de basílica sobre as FAV com prótese, sabe-se que aproximadamente 40% delas irão entrar em falência em até dois anos e que novas FAV serão necessárias, o que justifica que o patrimônio vascular destes pacientes tente ser preservado para cirurgias futuras 2.

Sabendo-se que 1 em cada 5 pacientes possuem anatomia da veia basílica tipo 3 e que isso pode impossibilitar a posterior confecção de

uma FAV com prótese neste membro, é importante que o cirurgião seja previamente alertado desta variação para melhor planejar seus procedimentos 2.

Sugerimos que, nos exames de mapeamento venoso para FAV, seja incluída a avaliação detalhada da anatomia das veias basílica e braquial e a classificação do seu tipo anatômico, antes das cirurgias de transposição da veia basílica 6.

BIBLIOGRAFIA

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